José Afonso e a música que sinalizou a Revolução dos Cravos.

Casa de José Afonso em Coimbra, Portugal.

“Nesta casa viveu o trovador da liberdade José Afonso, o Zeca: Em esquina um amigo, em cada rosto igualdade o povo é quem mais ordena dentro de ti, ó cidade.

JOSÉ AFONSO FOI UM CANTOR, COMPOSITOR E MILITANTE DE ESQUERDA PORTUGUÊS CUJA OBRA TEVE PAPEL FUNDAMENTAL DURANTE A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS.

Zeca nasceu no dia 2 de Agosto de 1929 em Aveiro, Portugal, filho de um juiz e de uma professora. Neste local viveu até aos três anos, quando foi levado para Angola onde o pai era delegado do Procurador da República.

Em 1937 retorna à Aveiro mas parte para Moçambique ainda no mesmo ano, indo viver em Lourenço Marques (atualmente: Maputo), capital do país.

Em 1938 vai viver com seu tio, Filomeno, em Belmonte. Seu tio era fervoroso admirador do ditador de Portugal, Salazar, e incentiva o sobrinho a entrar para a Mocidade Portuguesa, que era a organização juvenil do Estado Novo português.

O Estado Novo foi uma ditadura antiparlamentar, autoritária e nacionalista iniciada em 1933 e derrubada somente pela Revolução dos Cravos em 1974.

Seus pais foram viver no Timor, uma colônia portuguesa na Ásia, em 1939. Lá foram presos pelos japoneses que ocuparam a ilha durante a segunda guerra mundial. Por um período de três anos Zeca Afonso não teve contato nem notícias dos seus pais.

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Localização do Timor, antiga colônia portuguesa na Ásia.

Em 1948 Zeca completa o Liceu, que no Brasil equivale ao Ensino Médio. Em 1953 nasce seu primeiro filho e Zeca grava seu primeiro disco: Fados de Coimbra. Em 1955 completa o serviço militar obrigatório e pouco depois começa a lecionar.

O cantor participa com frequencia de festas populares e lança, em 1960, o álbum Balada do Outono. Em 1962 acompanha a crise acadêmica, uma revolta estudantil contra a ditadura que envolveu as principais universidades de Portugal. Essa revolta iniciou-se a partir de 1961, quando os estudantes reuniram-se para um jantar no qual a frase “queremos paz” ecoou em protesto contra a Guerra Colonial (guerra levada à cabo por Salazar para manter as colônias sob domínio português). A polícia apareceu, prendeu e espancou os estudantes, dando início à uma tensão que tomou conta das academias do país e estourou em 1962. A Guerra Colonial iniciou-se a partir de um levante popular nas colônias de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, em 1961, encerrando-se em 1974 com a Revolução dos Cravos e a libertação das colônias portuguesas.

Encontro de ditadores: Salazar, de Portugal, e Francisco Franco, da Espanha.

Encontro de ditadores: Salazar, de Portugal, e Francisco Franco, da Espanha.

Em 1963 completa a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas. No mesmo ano edita Os Vampiros e Menino do Bairro Negro, suas primeiras músicas de caráter político, sendo a primeira contra a opressão do capitalismo e a segunda inspirada na miséria do Bairro do Barredo, no Porto. Ambas foram incluídas no disco Baladas de Coimbra, que seria proibida pela censura. Os Vampiros e Trova do Vento que Passa viriam a se tornar músicas simbólicas na resistência anti-salazarista da época.

Entre 1964 e 1967 reside em Lourenço Marques, capital de Moçambique. Neste período atua como defensor dos ideais de independência da colônia portuguesa, o que acabou lhe causando problemas com a polícia política de Salazar.

Localização de Moçambique, no sul da África

Localização de Moçambique, no sul da África

Em 1967, já em Portugal, Afonso é colocado como professor em Setúbal, mas é expulso do ensino após um período de doença. Neste período o cantor mantinha contato com o Partido Comunista Português e com a Liga de Unidade e Acção Revolucionária, sendo preso pela PIDE (polícia política do Estado Novo). Para que seu nome não seja censurado dos jornais, ele começa a ser escrito ao contrário: Esoj Osnofa.

Em 1971 edita Cantigas de Maio. Em 1973 canta no III Congresso da Oposição Democrática e grava o álbum Venham mais Cinco. Prossegue apoiando várias instituições populares e continua sua militância política na Liga de Unidade e Acção Revolucionária. Entre Abril e Maio de 1973 esteve preso no Forte-prisão de Caxias pela PIDE/GDS.

Revolução dos Cravos

No dia 24 de março de 1974 uma reunião clandestina de capitães contrários à ditadura, que se organizaram no “Movimento das Forças Armadas”, decide derrubar o regime pela força.

Um mês depois um grupo de militares instala secretamente um posto de comando em um quartel de Lisboa. Às 22h55m a canção E depois do Adeus, de Paulo de Carvalho é transmitida pela rádio, sendo um sinal para desencadear a primeira fase da operação. À 0h20m a canção Grândola, Vila Morena de José Afonso é transmitida pelo programa Limite, da Rádio Renascença, marca o início das operações que viriam a derrubar a ditadura portuguesa.

Em todo o país os militares se levantam contra o regime. O ministro da Defesa ordena que as forças sediadas em Braga avancem sobre o Porto, já tomado pelos revolucionários, mas os militares não obedecem às ordens e aderem à luta. A sede do governo português é ocupada nas primeiras horas da manhã. O chefe do governo é rendido ao final do dia, no Quartel do Carmo. Depois parte para o exílio no Brasil. Durante a operação toda morrem quatro pessoas, atingidas por disparos quando protestavam em frente à sede da polícia política.

Revolucionários retiram retrato de Salazar da parede

Revolucionários retiram retrato de Salazar da parede

No dia seguinte forma-se a Junta de Salvação Nacional, constituída por militares, que conduzirão um processo de transição sob um programa conhecido como “Programa dos três D”: Democratizar, Descolonizar, Desenvolver.

As medidas imediatas da revolução foram a extinção da polícia política e da censura, a legalização dos sindicatos e dos partidos, a libertação dos presos políticos e o fim do exílio dos lideres da oposição. No dia 1º de maio os trabalhadores celebram em liberdade pelas ruas, pela primeira vez em muitos anos, juntando, só na cidade de Lisboa, cerca de 1 milhão de pessoas.

Período após a Revolução dos Cravos

Após a Revolução José Afonso, já livre da censura, segue atuando politicamente, realizando várias apresentações em apoio a diversos movimentos, tanto em Portugal como em outros países. Com a vitória da Revolução inicia-se, em Portugal, um período conhecido como Processo Revolucionário em Curso, que dura cerca de dois anos e do qual José Afonso tornou-se grande apoiador e admirador.

José Afonso

José Afonso

Durante o PREC são estatizadas as grandes empresas e levadas ao exílio personalidades identificadas com o Estado Novo. A Guerra Colonial se encerra e as colônias portuguesas da África e da Ásia se tornam independentes.

Nas eleições livres de 1975 para a Assembléia Constituinte o Partido Socialista alcança a maioria dos assentos. A assembléia elabora uma nova constituição, que será aprovada em 1976, e estabelece uma democracia parlamentar com eleições livres. Porém, no ano de 1976, o caminho socialista que a PREC estava tomando seria abandonado a partir de 25 de novembro de 1975.